Ele detestava os trinados dos pássaros. Por isso, a primavera, a estação das flores, do amor, das rixas e dos volteios dos pássaros, era, para ele, angústia e desespero: bem-te-vis, periquitos, rolinhas, beija-flores, sanhaços, e sabiás-laranjeira gorjeavam todos os dias em frente a sua casa, num parque famoso da cidade de São Paulo. Toda primavera era assim: uma variedade de cantos, que deixavam o homem irritado sem vontade de ver o sol ou as cores das flores que brotavam. De todos os pássaros, o mais irritante para o homem era o sabiá-laranjeira. Cantava ao alvorecer e no final da tarde; um som que lembrava flauta doce. Mas, o homem sabia, e isso lhe assustava, que um sabiá-laranjeira poderia viver por até 30 anos. Muitas vezes foi ao parque com um estilingue e, quando ninguém observava, colocava uma pequena pedra na malha da arma e acertava fatalmente sua vítima, um passarinho qualquer, bem no meio da cabeça. Porém, naquela manhã, quando acordou com o chilreio do sabiá, decidiu que este, especificamente, seria enforcado. Atravessou a rua e montou a armadilha. Esperou um dia todo. Assim que o sabiá-laranjeira ficou preso, ele o pegou na mão, amarrou um barbante na altura da siringe do pássaro, pendurou-o num galho de goiabeira, puxou o nó com força e viu os dois olhinhos da ave pularem para fora como bolinhas de sagu.
Foi dormir aliviado.
Escrito para o Toda Hora Tem História